Uma das minhas referências de infância se foi. A padaria São Jorge não faz mais parte do Engenho de Dentro, foi transfigurada em um Dogão Auto Center ou qualquer coisa semelhante. Enfim, as bisnagas quentinhas e cheirosas, os pãezinhos doces e apetitosos e todas as outras guloseimas foram atropelados por uma oficina mecânica sem a metade do charme que uma padaria pode oferecer a um bairro, independente do quão simples ela seja. Já estou sentindo falta.
Nós, cariocas, não nutrimos pelas padarias uma relação tão próxima como os paulistas, que carinhosamente as apelidaram de padocas. Mais recentemente é que os descolados da Zona Sul lançaram no Rio a moda de ir até uma delas para o café da manhã, hábito que existe há tempos em São Paulo. Lembro de as padarias próximas estarem presentes durante a minha infância aqui no subúrbio, mas de uma outra forma. À tarde, minha avó sempre pedia que alguém buscasse duas bengalas (era como ela chamava as bisnagas) para o lanche. Na mesa da cozinha, era comum comermos o pão com margarina Claybom, acompanhado de rosquinhas Mabel ou biscoito maisena. Era uma época em que pão tinha miolo e minha tia o retirava, porque preferia comer só a casca. Ela dizia que engordava menos. Eu gostava de fazer uma bolinha e comer esse miolo que sobrava. E bebia mate gelado ou leite gelado com achocolatado.
Lembro de uma vez em que fui com a minha avó e a minha tia à padaria São Jorge para comprar as bengalas do lanche. Eu era criança pequena e lá encontrei uma menina ainda menor com um brinquedo semelhante a um que eu tivera. "Tinha um igual quando eu era menor", pensei ter dito, ao que o pai da menina respondeu com o que hoje identifico como sendo troça: "Quando você era criança?" Só quando a minha tia começou a rir de mim perguntando quando eu tinha deixado de ser crianaça entendi que havia pensado uma coisa e falado outra. Posso dizer que foi uma experiência educativa. Com esse episódio aprendi o que é constrangimento e a importância de prestar atenção quando se vai falar alguma coisa. Boa época de infância. Agora tento me convencer de que não foi por eu não ter mais tempo para o lanche da tarde que a padaria São Jorge fechou.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
O fim de uma era
Escrito por Renata às 2:50:00 PM
Marcadores: arredores, Grande Méier, reminiscências
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14 comentários:
Estou recebendo leitores do seu blog. Que felicidade reencontrá-la neste mundinho de palavras e caracteres. Bem-vinda de volta. Beijos!
Raphael, obrigada pela visita e pelo comentário. Imagino que eu não esteja contribuindo com um número muito significativo de leitores para o seu blog, porque o meu é bem pouco visitado (acho que não ajuda o fato de eu não tê-lo divulgado =) ). De qualquer modo, fiquei feliz por saber disso.
Contribui, sim. Nos últimos dias, um visitante foi do seu blog. Como tenho recebido pouquíssimos, acredite, um é uma boa porcentagem de meus leitores. :))) Beijos e feliz ano novo.
Não sei no Méier, mas na Tijuca as padarias sempre tiveram um público cativo... também estão fechando, a Bienal (virou drogaria), a Janaína (ainda não virou nada)... A moda, não de agora, são as padarias-mercado, onde se vende de tudo, mas o pão mesmo é difícil à beça de achar.
Raphael, sendo assim, que bom que contribuo, então. =)
Rodrigo, obrigada pelo comentário. Aqui no Méier, as padarias também costumam ter um público cativo, mas algumas, infelizmente, fecharam. Pelo menos, há boas padarias que continuam, o pãozinho do lanche está garantido. Ufa!
Gosto muito de vir aqui - fico lembrando das coisas que também vivi: a padaria, o açougue, a quitanda, que foram egolidas por supermercados impessoais.
Vejo aí ao lado que você está lendo um livro do qual gostei muito - e o filme é muito bom, não perca.
Quando fiz o comentário acima você estava lendo Reparação. Mudou o livro, meu comentário ficou sem sentido.
Sonia, eu já tinha lido o seu comentário, só não respondi antes porque tenho passado por aqui sempre correndo. Aliás, obrigada por continuar visitando o blog mesmo sem eu estar postando freqüentemente. Você sempre deixa comentários tão gentis. Sobre Reparação, o livro é mesmo muito bom, não é? Está entre os melhores que já li, me fez tão feliz! Ainda não tive a oportunidade de ver o filme, mas estou curiosa. Bjs!
Veja que coincidência, você falando de padarias, e lá no http://www.gardenal.org/checaribe/, um dos blogs mais gostosos que conheço, também se fala de padarias. Vá até lá dar um olhada, aposto que vai ficar fã da Maray, dona do blog.
Sonia, obrigada pela dica do blog. Estou lendo vários posts de lá, adorei!
Ai, que legal, Renata!
Nao só por te ler de novo como por falar sobre nosso bairro, que morando tao longe, traz uma nostalgia sem precedentes!
Eu até hoje tiro o miolo do pao. Meu pai dizia que era cru e por isso peguei o hábito de retirá-lo.
Vou por um link pra cá no meu blog.
Beijim,
Cla
Cla, obrigada! Não tenho atualizado tanto quanto gostaria, mas pretendo, mesmo devagar, ir publicando por aqui posts que tenham alguma relação com o nosso bairro. Bjs.
acho que esse texto foi a coisa mais linda, emocionante e angustiante que li nos últimos tempos
não sabia que a vovó falava bengala, acho que lembro muito pouco da voz dela
obrigada por essa imagem
Bianca, adorei o seu comentário, obrigada! Sabe, lembro muito dos lanches na casa da vovó. Bons tempos...
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