terça-feira, 2 de março de 2010

O subúrbio na poesia de Bandeira

Já contei aqui o quanto me fascina encontrar referências à Zona Norte – mais precisamente, ao subúrbio – na nossa produção intelectual e artística. Às vezes, a descoberta é premeditada e esperada. Noutras, é totalmente obra do acaso, como nesses dois poemas de Manuel Bandeira, nosso brilhante poeta 'menor'. O primeiro poema é do livro Libertinagem e o segundo, de Estrela da Manhã.

Macumba de Pai Zusé

Na macumba do Encantado
Nego véio pai de santo fez mandinga
No palacete de Botafogo
Sangue de branca virou água
Foram vê estava morta!

Tragédia Brasileira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade.
Conheceu Maria Elvira na Lapa – prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado do no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.


1933
(BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira – 20. ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993)

Nenhum comentário: