quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Helena e família

Sempre que vejo Helena – e eu a vejo com freqüência –, ela está vestida da mesma maneira. Helena é uma mulher de estilo discreto, não necessariamente harmônico, que a faz optar por duas peças de tecidos leves, geralmente uma blusa de mangas curtas e uma saia cujo comprimento pode variar entre a altura dos joelhos e a metade das batatas das pernas. Nunca a vi usar saltos. Os cabelos, ressecados e avermelhados, quando não leva espalhados pelos ombros, estão amarrados em um coque displicente.

Helena costuma passar diante da minha casa em manhãs sem ou de pouca chuva, a caminho da parte comercial do bairro. Assim que me vê, me cumprimenta com um sorriso, ajeitando os óculos e estalando um beijo no ar. Nos dias em que estou com minha caneca de café, a convido para se juntar a mim, mas ela só aceitou um par de vezes. Quando eu era criança, costumava encontrá-la levando os três filhos para a escola, a mesma que eu freqüentava. Deve ter sido por conta dessas saídas no mesmo horário que a mulher pequena e magra foi uma das primeiras vizinhas aqui da rua que minha mãe conheceu e de quem ficou amiga.

Há 36 anos, mesmo tempo que tem de casada, Helena mora no duplex do menor edifício da rua, levantado acima de uma loja, separada em duas, anos atrás. Na época em que os filhos, dois meninos e uma menina, se aproximavam da adolescência, Helena fez planos de, no futuro, deixar o duplex para dois deles e convencer o marido a fazer uma oferta ao proprietário do apartamento de baixo. Assim, o apartamento no primeiro andar poderia ficar para o filho que se casasse antes dos irmãos. Os outros dois, quando chegasse a hora, estariam livres para repartir o duplex da maneira que melhor lhes conviesse. Permanecendo próxima aos filhos, Helena poderia então tomar conta dos netos que, com certeza, viriam. Ela adora crianças, sempre gostou de casa cheia.

E tudo isso passou por sua cabeça não tem um minuto, assim que o carteiro lhe entregou a correspondência e ela identificou entre os envelopes um com a letra do filho que se mudou para a Europa.

5 comentários:

Alexandre Kovacs disse...

Acho que a coleção de personagens que você vem apresentando bem que poderiam fazer parte de um romance. Que tal a idéia?

Alexandre Kovacs disse...

Outra observação importante sobre personagens é que quanto mais regionais e locais mais universais e representativos eles se tornam.

Anônimo disse...

Kovacs, não tinha pensado nas personagens desta maneira, mas achei interessante a sua idéia. Concordo com o que você comentou sobre a universalidade de personagens. Obrigada pela sugestão!

clabrazil disse...

Oh, que lindo...concordo com a Kovacs.

Tá parecendo até os planos de puxadinho da minha mae... e eu nas zuropas. hehe
Beijim,
Cla

Anônimo disse...

Cla, obrigada! Que coincidência, acho que essa idéia do puxadinho aqui no subúrbio é mesmo mais comum do que se imagina. =)